segunda-feira, 15 de novembro de 2010

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Confesso que meu coração estava acelerado e sentia pequenas mariposas cinzentas se debatendo em meu estômago – afinal, aquilo era uma experiência diferente, já que revelaria minha verdadeira face. Suspirei, tomei fôlego e tentei amainar as mariposas, pensando em como me portar. Não havia alternativa: a ansiedade já me consumia com seu debater de asas cinzentas e irrequietas. A cada passo dado, meu coração se acelerava e podia sentir pequenos fragmentos de transpiração. Aproximei-me do vulto e o encarei. A primeira coisa que reparei foi o sorriso sereno, na boca murcha, carcomida pelo tempo. Os dentes à mostra, o olhar fechado e cansado, as maçãs do rosto já decaídas pelo envelhecer, carregavam uma sensação de fragilidade. Passeei os olhos pelo rosto senil. A pele, sem a exuberância da juventude, trazia marcas de sol e rugas, que formavam vincos profundos. Sorri. E o rosto me recebeu com uma serenidade reconfortante. Reparei nos cabelos brancos, finos, ralos, feito uma penugem na cabeça pequena, mas bem esculpida. As orelhas e o nariz, já grandes pela idade, completavam a face senil. Desci os olhos pelo pescoço e reparei na pequena papada. Mais abaixo, com o tronco recoberto por uma camisa de algodão rosada, vi se projetarem dois finos braços, com veias azuis saltadas e pulsantes. Os braços se abriram, as mãos de dedos finos e tortos se direcionaram a mim. Com a voz mais doce de uma senhora, disse:
— Entre, Lúcio me falou de você – e me abraçou.