domingo, 4 de julho de 2010

Trecho


E foi após mirar a objetiva numa Colombina e num Pierrô, que reparei naquele ser de beleza andrógena e fascinante, que parecia flutuar entre a massa inerte e descontrolada. Tinha uma delicadeza e uma desenvoltura tão sensuais, feito um anjo pisando por nuvens humanas. Trazia apenas um ramo de flores na orelha. Se todos se escondiam por baixo de máscaras e se emolduravam de faces límpidas e sem máculas, ele era o único realmente com o rosto nu, que deixava transparecer a realidade. No Baile de Máscaras, o seu rosto era a verdade sem mentiras, a beleza sem retoques, a morte com vida. Fitei aquele ser de beleza andrógena e ele fugiu aos meus olhares, como se brincasse de esconde-esconde. Enfiei-me pelo turbilhão de braços, pernas e máscaras; mergulhei com voracidade pelas ondas humanas, que exalavam um hálito de prazer e sensações doces e efêmeras. Mas não conseguia achar aquele rosto sem hipocrisias, sem maquiagens, que vagava delicadamente sobre a grama orvalhada e se dissimulava no meio das máscaras e das fitas de cetim, que rodopiavam com a brisa de julho. Meu estômago enchia-se de mariposas cinzentas e eu começava a ouvir o cãozinho negro e triste, ladrando ao meu lado, me acompanhando em uma busca insana por aquele ser. Fechava os olhos e garimpava, em minha memória fotográfica, aqueles traços firmes, decididos, emoldurados de uma pureza cativante, sedutora, sexual. Abria minhas pálpebras e via as mãos lívidas dele, que se confundiam com a multidão eriçada. Corria meus olhos e as mãos se perdiam, como se acenassem pela última vez, dando um adeus.

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