quinta-feira, 29 de julho de 2010

terça-feira, 20 de julho de 2010

P 162 - 166


E, num pulo, agarrei-o junto a mim. Era meu, só meu, e de mais ninguém. Apertei o pescoço dele, comprimindo com força até sentir o pomo-de-adão. O coração pulsava acelerado e ele tentava se desvencilhar de meus braços. Em vão. A cada segundo, sem como respirar, se entregava, se submetia às minhas vontades. Caiu de joelhos enquanto eu segurava o pescoço. Soltei-o e foi ao chão, batendo a face de bochechas repletas de manchinhas negras. Segurei os braços dele e o arrastei até a velha cama de casal, envolta por um lençol rosa e com cheiro de mofo. Peguei-o no colo e repousei o corpo adormecido. Caminhei até a porta e trouxe a mulher prenha, colocando-a ao lado do marido desfalecido. Os três estavam sobre meus domínios, inertes, sem reação. Comecei a despir a moça de cabelos encarapinhados. Tirei a camiseta branca e deixei a barriga tesa à mostra. Admirei. Corri os olhos vorazes pelas formas voluptuosas da fêmea prenha e, dragando o cheiro com minhas narinas, conseguia degustar o odor de leite escondido nas mamas. Meus dedos, trêmulos de ansiedade para massagear aquela carne parda, começaram a percorrer a calça jeans surrada, grudada ao corpo toscamente depilado. Desabotoei-a e abri o zíper. A minha vista saltava uma calcinha amarelada, com cheiro de sexo, de fêmea úmida, deliciosamente amedrontada pela situação a que fora submetida. Mordi o pano e, com minhas presas, escorreguei o tecido pelas coxas, deixando a mostra os pelos pubianos, tão mal cortados, que encobriam a vulva. Coloquei minhas mãos nas coxas dela e apertei para sentir toda a carne em vida. Ela estava nua, com a barriga dura, saltada e os mamilos suculentos, esperando meus lábios. Resisti. E voltei minha atenção a Muriel. Vestia uma camisa surrada, na cor azul clara e uma calça jeans com pequenos rasgos. No pé, um tênis maltrapilho encobria a carne mulata que dava sustentação ao andar. Retirei-o e pus-me a desabotoar, lentamente, cada botão da camisa surrada, até revelar o peito com uma rala penugem masculina. Desabotoei o botão do jeans e abaixei o zíper, expondo uma cueca preta, grudada ao membro adormecido. Com a mão, puxei a calça e, em seguida, a cueca. Peguei as peças íntimas de meus animais e as cheirei. Podia degustar as fragrâncias tão diferentes, macho e fêmea, mas ao mesmo tempo tão iguais, igualadas no fedor da pobreza e dos parcos perfumes dos sabonetes baratos. Eles eram meus, só meus. E eu era a criança mais feliz por ter em suas mãos os brinquedos mais divertidos. Meus bonequinhos. Eu sorria, olhava para os dois seres despidos, nus em pelo, exalando o cheiro do sexo, da fome, do medo, da tensão, da ansiedade, do tesão, da química hormonal, dos barulhos orgânicos, do pulsar do coração, do aspirar do pulmão. Da pobreza da favela eu encontrava ali, naqueles corpos, toda a bruteza humana, toda essência mais pura do que era um ser humano destituído do conforto que o dinheiro podia proporcionar. Na pele parda, fruto do caldeirão cultural, da miscigenação das cores, estava ali a história de toda uma classe envolta no manto da pobreza, alimentada pelo arroz, pela farinha de milho, pela sardinha, pelo feijão, pelo tomate, pelo óleo barato, pelo sal acrescido na água não-potável do alimento. E eu, na ânsia de tê-los, de sentí-los, de degustá-los, me deitei no meio deles. E, com o corpo envolto pelo macho, pela fêmea e pela cria, me protegia num mundo só meu: puro, sem máscaras, sem medo do prazer embalado em dor. Arranquei minhas roupas e deixei que o vento fresco da noite roçasse meus pelos pubianos. Deitei-me nos braços de Muriel e esfreguei minha pele contra a dele, na ânsia de aderir o cheiro da pobreza na minha tez sem máculas. O sexo dele, adormecido, roçava minhas coxas macias. E eu jogava minhas mãos, minha língua, minha face pela extensão daquele corpo bruto, exposto ao deleite de meus olhos. Meu projeto humano, meu deleite. Pousei meus olhos nas bochechas salpicadas de negro e as lambi, deslizando minha língua morna e úmida pelas têmporas, pelas orelhas, pelo queixo, pelos filetes de cabelos faciais. O suor, salgado, com odor ácido, queimava minhas papilas gustativas e eu me entregava ao puro prazer de sentir aquele homem adormecido disposto em minha língua. Virei-me e comecei a esfregar minha boca nas axilas com pelos ásperos da fêmea prenha. A transpiração, com sabor levemente sulfúrico, arrepiava meus mamilos e fazia-me contorcer num encantamento único. Abri meus lábios e abocanhei os peitos latejantes, repletos de leite. Desci com a língua pelo vão dos peitos, corri-a pelo canteiro onde se guardava a vida numa bolsa de água e, enfim, repousei no umbigo saltado, arredio, tão pequeno e apertado, feito um botão de margarida. Abri as pernas da fêmea, passeei meu nariz pela vulva e captei toda essência, todo azedume humano, todo odor que se desprendia do sexo febril. Beijei as coxas com pequenas ondulações de celulite e me desgrudei da fêmea. Arregalei meus olhos e pus-me a contemplar a vida embutida na bolsa de água, envolta por pele e placenta, gordura e calor, sangue e oxigênio. Aquela barriga estufada se debatia lentamente. Repousei meus ouvidos nela e pude captar o coraçãozinho acelerado, ouvir as perninhas se mexerem, as mãozinhas chacoalharem o líquido amniótico. Uma vida, uma suculenta vida a caminho do mundo de tristezas. E eu ali, no meio dos três. Macho, fêmea e cria. Pobreza, fedor e prazer. Sentei-me no colo de Muriel e o encarei. Com as coxas em cima dele, inclinei meu corpo alvo sobre a barriga pardacenta, de forma a relar meus peitos nos pelos peitorais daquele homem. Abri meus lábios, posicionei minha boca no pescoço, próximo ao pomo-de-adão e, num gesto lento, cravei meus caninos na pele suada e quente daquele que me ensinara, anos antes, o prazer de me sentir indiferente a tudo. Em golfadas demoradas, eu drenava o sangue bruto de um favelado. Sentia um tesão percorrer minha garganta, meu pescoço, meu estômago, minhas entranhas, minhas artérias, meu coração, meu pulmão, meu cérebro, minhas veias, todos meus órgãos, que latejavam unissonamente num prazer de vida em morte. E, num jorro de prazer, gemi feito um animal no cio, sugando vorazmente o líquido vivificante, até restar um sopro de vida. Larguei a carcaça e parti para minha boneca repleta de sabor. Segurei-a em meus braços, acariciei a cabeça com cabelos encarapinhados, ajeitei-a delicadamente e, após massagear os bicos escuros dos seios saltados e duros, brincar com a barriga estufada e com as coxas tensas, roçar as pontas dos dedos nos pelos negros da vulva quente e úmida, cravei meus dentes na pele áspera da axila da fêmea. Minha língua raspava os poros intumescidos e encravados na tez raspada por lâmina. E, em goles cada vez mais fartos, embebedava-me com a vida da minha boneca suja, pobre, desgraçada. O sangue rufava por meu corpo e meu corpo transmutava-se numa montanha repleta de ecos, gritos, gemidos, vozes, sussurros, orgasmos abafados. Eu sentia a mulher, a fêmea, a esposa, a companheira, o objeto sexual, e, agora, conseguia sentir o gosto da mãe. Num silêncio aterrador, enquanto o sangue deslizava macio por minha garganta, a bolsa rompeu e com ela surgiu o aroma de uma nova vida, que emergia do invólucro protetor. Tirei os lábios da axila e voltei minhas atenções à barriga que latejava. Dali sairia a cria, o fruto do sexo, da união cromossômica entre a fêmea e o macho. Contemplei o momento e, com o corpo nu, com o vento leve roçando minhas costas, ajoelhei-me aos pés da cama, abri as pernas da mulher e apertei a barriga, de forma a forçar a vinda da criatura. Nos meus dedos sentia as ondulações, os chutes, a pequena avezinha tentando eclodir o ovo. Não sabia o que fazer, mas pouco me importava. Simplesmente fui forçando a barriga, delicadamente, apertando, comprimindo, ajudando a natureza seguir seu percurso de vida. Olhei a vagina e ela se abria como uma concha. Vi uma cabeça, coloquei uma de minhas mãos abaixo, de forma a segurar com carinho aquele projeto humano. Apertei a barriga. Forcei a natureza a seguir seu percurso natural. E, após alguns minutos, ouvi o choro eclodir pelo barraco de portas com resquícios de tinta azul. Em meus braços, a criança berrava, abria os olhos, dilatava a pupila, enchia o pulmãozinho de ar. Em meus braços, em meus braços... Eu podia sentir a vida nova, o fruto do sexo, o fruto da união cromossômica do macho e da fêmea. Em minhas mãos, em minhas mãos... Eu embalava a cria, ainda com o cordão umbilical, que a prendia na mãe. Em meus lábios, em meus lábios... Eu mordia o cordão da vida, da alimentação. Em minha boca, em minha boca... Eu degustava o sangue, a nova vida. E, após romper a ligação entre um ser e outro, eu, enfim lambia a criança, feito uma fera que limpa a cria. Não resisti e, numa pequena incisão no pescocinho mole, chupei gotículas do mais puro sangue, da mais nova vida, esculpida em uma pele pardacenta, ralos cabelos e olhos esfumaçados. Repousei a criatura entre o pai e a mãe e os admirei com indiferença. O elo entre os dois era aquele pequenino ser, trazido ao mundo para sofrer. Sofrer num mundo de pobreza, de mazelas, de indiferenças, de máscaras. Sofrer para torna-se bruto, em processo contrário ao da lapidação: a pobreza era isso.
Suspirei e, com o corpo satisfeito do sangue dos três, mordi a ponta de meu dedo. Com meu sangue renovador, fechei as feridas abertas de Muriel, da mulher de cabelo encarapinhado e da cria. Sussurrei ao vento:
— Esqueçam-me e sigam seu percurso. A criança é o elo que os une.
Vesti-me com as roupas amassadas e desapareci na escuridão, deixando a porta com resquícios de tinta azul balançando ao sabor do vento. Voltei para casa e me entreguei ao caixão. Lúcio ainda não havia chegado e, dessa forma, adormeci sem o beijo de boa noite.

domingo, 18 de julho de 2010

Trabalho de formiguinha

Agora que o livro finalmente chegou em casa, tenho alguns metas a alcançar

# Bancar os 30 exemplares que comprei rsrs
# Produzir marcador de livro promocional
# Colocar o livro nas livrarias da região
# Fazer trabalho de formiguinha para divulgação
# Enfim, tentar desovar o livro =)

sábado, 17 de julho de 2010

Chegou!!!

Enquanto tentava montar meu artigo científico sobre a revista Terra da Gente, onde analiso a questão da personalização das reportagens, eis que ouço minha tia me chamar:
- Juliano! Juliano!
Olhei para fora da porta, vi um carro do Sedex. Abri um imenso sorriso. Fui ao encontro de minha tia e vi, em suas mãos, um pacotão: sim, era o que eu imaginava, meus livros tinham chegado.
Rasguei o embrulho pardo, peguei os livros na mão. Senti o cheiro. Observei cada canto vagarosamente. E, finalmente, me toquei: eles estavam ali, impressos diante de mim. Um misto de alegria, ansiedade e euforia se fez presente. O Silêncio das Mariposas finalmente tomava forma no mundo real.

...

Hoje, 17 de julho de 2010, dei meu primeiro autógrafo. Não sei ao certo descrever a sensação, muito menos o que se passou em minha cabeça. Mas confesso: tremi. Tremi de felicidade, alegria, satisfação. Senti aquela sensação de segurar a caneta na mão e, devido a intensidade da situação, não saber o que escrever. Mas saiu, de forma singela e sincera, meu autógrafo, marcado em tinta preta no branco papel.

(Na foto, eu e Tereza Bertália)

terça-feira, 13 de julho de 2010

p 37-39


Dei um grito abafado, sem forças, pois a voz não queria sair de minha garganta. Meu corpo, dolorido, não tinha espaço para se mexer e, nas minhas narinas, pedaços de algodão impediam minha respiração. Ao meu redor, plantas encobriam meu corpo e minhas mãos estavam dispostas junto ao peito. Não havia luz, brisa, espaço: o lugar era apertado, fechado, quente, abafado. Com muito custo e dor, consegui levantar minhas mãos e bati numa tampa fixa. As juntas do meu braço latejavam sem força e todo meu corpo ardia, como se flâmulas me consumissem por dentro. Tirei os algodões do meu nariz e puxei o ar. Um cheiro de crisântemos tomou conta de mim. Em estado de temor, arregalei meus olhos e, no meio da escuridão, conseguia enxergar, com dificuldade, as pontas dos meus pés, que agora se projetavam como vultos. Fechei os olhos e permaneci em silêncio, tentando entender tudo aquilo. Meu coração palpitava cada vez mais forte e sentia sede, uma sede descomunal, mas não era por água, nem outro líquido. Não sabia o que era. Voltei meus olhares ao redor. Um tapete de flores brancas recobria-me e, como se tudo fosse claro, extremamente claro, minhas pupilas podiam entender a escuridão que me consumia. Eu estava num caixão. Meu corpo, antes morto, agora estava vivo. E uma fobia tomou conta de mim. Aquele caixão me asfixiava, me dava náuseas, medo, aflição. As paredes pareciam cada vez mais comprimidas, apertadas, assustadoras. Descontrolei-me e comecei a me debater. Arranhava a tampa de madeira, dava chutes, gritava, me espancava. Minhas unhas deslizavam vorazmente pela tampa seca, repleta de ranhuras e pequenas farpas se soltavam, machucando minha carne. Um cheiro de sangue, tão excitante, se volatizava dentro da urna funerária e deixava-me em estado de delírio. Gritei com todas as forças, mas ninguém me ouvia, ninguém vinha me ajudar, ninguém sabia que meu corpo vivia em morte. A solidão era a única voz ao meu lado, sussurrando, brincando de me assustar. Chorei. Sentia as lágrimas escorrendo por meu rosto, os soluços infantis e medrosos ecoando pelo caixão. O vazio, a tristeza e a agonia tomavam forma e, aos poucos, se transmutavam em mariposas cinzentas, que começavam uma revoada em meu estômago, buscando a liberdade. Tentei me encolher em decúbito dorsal, mas o caixão me impedia. Entrei novamente em pânico e esmurrava a tampa, as laterais e tudo ao redor, em estado de fúria, medo e angústia. Sem entender muito bem o que acontecia, uma força sobre-humana tomou forma em meus músculos e, finalmente, consegui quebrar a tampa do caixão. Coloquei minha cabeça pela fresta e vi que estava numa gaveta funerária, possivelmente, na da minha família. Com a estranha força, consegui quebrar o caixão e empurrei a tampa de concreto que ficava na porta de minha gaveta. Arrastei-me, deixando rastros de sangue devido aos machucados em minhas mãos e finalmente consegui cair num espaço aberto. Lá, coroas e mais coroas de flores amorteceram minha queda e pus-me a chorar. As lágrimas rolavam por minha face e eu me perguntava por que havia feito aquilo e como estavam meus pais. Vi que minhas mãos e os machucados, apesar da dor, estavam se cicatrizando. Mantive-me em silêncio, enquanto lágrimas rolavam por minha face e, assim, adquiri forças e levantei. Olhei na portinhola de bronze que lacrava minha sepultura e vi refletida a luz da lua cheia, tão tênue, bela, que me trazia um instinto animalesco. Arrebentei o portão de bronze e saí do túmulo, caminhando aos tropeções. Meu corpo tinha morrido em vida e nascido em morte. Eu apenas engatinhava para minha nova morte em vida.
Elevei minha cabeça e vi aquela replica de Pietá de Michelangelo, que ficava no túmulo de minha família paterna. Mãe, com o filho morto nos braços, olhando em agonia, dor e desespero. Cerrei meus olhos e lágrimas rolaram. Como estariam meus pais? – perguntei-me novamente. Eles eram a única coisa pela qual tinha consideração. Ao abrir meus olhos, eis que me deparei com o Vampiro que havia ceifado minha vida. Ele estava de pé, ao lado da Virgem, acariciando a face de mármore branco, de mesma tonalidade de sua própria face. Com sua beleza andrógena, me fitou e, com um sorriso diabolicamente encantador, disse-me com sua voz de veludo:
— Agora você é igual a mim.
Antes que eu perguntasse algo, avançou com uma rapidez extraordinária. Envolveu seus braços finos, mas fortes, que me puxaram junto ao seu corpo. Eu podia sentir o coração dele, a respiração, o tilintar das veias sendo irrigadas pela vida vermelha em batidas tão fortes, tão rítmicas, tão sensuais, que meu corpo estremecia de prazer. Um odor de vida brotava-lhe das faces coradas e ele ria, ria, e bailava comigo no chão de basalto branco, iluminado pela lua cheia prateada. Ele sorriu e exibiu seus caninos, alvos e longos, de uma bestialidade inumana, beijou minha testa e disse aos meus ouvidos.
— Beba. Deve estar com fome e eu me saciei por dois.
Ofereceu-me o pulso, como da última vez. Mas ao contrário do que me acontecera na ocasião, assim que toquei meus lábios na pele quente do Vampiro, suguei o sangue vermelho-negro que pulsava com um prazer sem discrição. Minha língua deslizava pelo corte e meu corpo, em riste, roçava todo o corpo andrógino da criatura. Sentia todas as sinuosidades e os cheiros exalados pela fera não-humana. Eu o puxava cada vez mais forte, com ansiedade, tesão, delírio. Queria me fundir ao seu corpo e os gemidos de ambos se confundiam num uníssono de vozes. O sangue, que me deliciava, era o mesmo que fazia sentir a vida percorrendo minhas entranhas e asfixiando as mariposas ansiosas. A vida, em forma de fluído, corava-me a pele pálida e fazia com que eu esquecesse todos os medos que me afligiam. Eu, enfim, podia sentir minha existência brotando em ondas vermelhas, que rebentavam em meus lábios e me alucinavam. Num espasmo, e sem forças para continuar, parei de sugar. Sentia meu corpo irrigado com o bater de meu coração e tudo voltava a se conectar, trazendo-me para a realidade.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Deu no CT

O Blog Criando Testrálios publicou uma matéria sobre o livro. Confira: Clique aqui

quarta-feira, 7 de julho de 2010

domingo, 4 de julho de 2010

Trecho


E foi após mirar a objetiva numa Colombina e num Pierrô, que reparei naquele ser de beleza andrógena e fascinante, que parecia flutuar entre a massa inerte e descontrolada. Tinha uma delicadeza e uma desenvoltura tão sensuais, feito um anjo pisando por nuvens humanas. Trazia apenas um ramo de flores na orelha. Se todos se escondiam por baixo de máscaras e se emolduravam de faces límpidas e sem máculas, ele era o único realmente com o rosto nu, que deixava transparecer a realidade. No Baile de Máscaras, o seu rosto era a verdade sem mentiras, a beleza sem retoques, a morte com vida. Fitei aquele ser de beleza andrógena e ele fugiu aos meus olhares, como se brincasse de esconde-esconde. Enfiei-me pelo turbilhão de braços, pernas e máscaras; mergulhei com voracidade pelas ondas humanas, que exalavam um hálito de prazer e sensações doces e efêmeras. Mas não conseguia achar aquele rosto sem hipocrisias, sem maquiagens, que vagava delicadamente sobre a grama orvalhada e se dissimulava no meio das máscaras e das fitas de cetim, que rodopiavam com a brisa de julho. Meu estômago enchia-se de mariposas cinzentas e eu começava a ouvir o cãozinho negro e triste, ladrando ao meu lado, me acompanhando em uma busca insana por aquele ser. Fechava os olhos e garimpava, em minha memória fotográfica, aqueles traços firmes, decididos, emoldurados de uma pureza cativante, sedutora, sexual. Abria minhas pálpebras e via as mãos lívidas dele, que se confundiam com a multidão eriçada. Corria meus olhos e as mãos se perdiam, como se acenassem pela última vez, dando um adeus.