domingo, 23 de janeiro de 2011

Trecho p. 87-88


Fiquei com meu corpo prostrado ao chão por horas, que pareciam uma eternidade. A escuridão era amainada pela luz das estrelas e da lua e, de bem longe, podia ouvir o barulho da cidade, suas buzinas, gritos, sirenes, risadas, músicas, televisões, rádios, o palpitar do coração da sociedade. Imaginei-me como ser humano, sujeito ao envelhecer, fenecer e morrer pela exaustão do corpo ou outra causa. Tinha vivido apenas vinte e dois anos como um mortal, sempre me reprimindo, me apertando nas minhas máscaras, sufocando-me com meu silêncio, minha melancolia. Quantos desejos abafados, dores sentidas e medos disfarçados só para poder degustar a aceitação social. Todo mundo quer ser amado! Quer ser compreendido! Quer viver sem ter que dar explicações sobre o porquê é daquele jeito. E eu me odiava, representava, queria morrer. Vivia na comodidade de minhas faces sorridentes que choravam; caminhava a esmo, repetindo a minha pessoa que eu tinha concerto, quando na verdade ninguém o tem, pois todo mundo é um ser quebrado, esfacelado, sempre a procura de seu pedaço que vaga no outro. Almas siamesas separadas no nascimento, que procurávamos nosso espelho, nossa identidade, para tentar apaziguar aquele vazio, aquele medo de viver na solidão; eu buscava desesperadamente o meu complemento, minha face verdadeira, mas me deparava diante do muro da incompreensão, do medo, dos dedos apontados, dos risos sarcásticos, das brincadeirinhas e das chacotas: quem é o certo afinal? Ah... E como todos eram perfeitos! Maquiavam as faces, isso sim. E eu sofria no meu silêncio, sentindo as mariposas cinzentas se debatendo à procura de luz, buscando a liberdade dentro do meu ser. E, equilibrando-me na corda bamba das incertezas, pendi para o lado. Entreguei-me ao doce beijo da morte e ali estava: com os mesmos dilemas, as mesmas mentiras, os mesmos medos, as mesmas máscaras. Viver é representar? – perguntava-me.
Adormeci com a cabeça numa pedra e com uma única certeza: o valor da vida está nos dissabores. Só fui acordar quando Lúcio tocou meu corpo dorminhoco esparramado no chão.

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