terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Verso

O Silêncio das Mariposas resgata a história de alguém
sem face, que se esconde nas sombras e no silêncio de seus relatos.
É a história de uma vida sem grandes feitos, sem grandes
conquistas, sem ser grande. Apenas uma vida. Uma vida vampira.
Uma mescla de drama, terror, aventura e conflitos
psicológicos. Um teatro de máscaras e sangue, envolto por
mariposas cinzentas, que bailam em busca de luz. É a ansiedade
traduzida em palavras. É a dor sintetizada em frases. É
o delírio sufocado num livro. É a busca incessante pelo silêncio,
pelo apagar eterno, pelo fim irremediável – um suspiro da
personagem que, num soluço, expõe seu sangue vampiro e sua
única certeza: não há certezas que não caiam por terra.

Apenas o silêncio das mariposas pode ser alcançado – mesmo
que cause dor e desconforto. E tudo por causa de um beijo, um
beijo vampiro, num baile de máscaras, numa noite em que a lua
cheia banhava o céu com uma cor prateada. E, neste turbilhão
de sensações e metáforas, eis que o drama se inicia e se desenrola
numa teia tecida por relatos de uma face sem sexo e sem
nome, apenas com uma cicatriz. Por isso, boa leitura.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Trecho p. 87-88


Fiquei com meu corpo prostrado ao chão por horas, que pareciam uma eternidade. A escuridão era amainada pela luz das estrelas e da lua e, de bem longe, podia ouvir o barulho da cidade, suas buzinas, gritos, sirenes, risadas, músicas, televisões, rádios, o palpitar do coração da sociedade. Imaginei-me como ser humano, sujeito ao envelhecer, fenecer e morrer pela exaustão do corpo ou outra causa. Tinha vivido apenas vinte e dois anos como um mortal, sempre me reprimindo, me apertando nas minhas máscaras, sufocando-me com meu silêncio, minha melancolia. Quantos desejos abafados, dores sentidas e medos disfarçados só para poder degustar a aceitação social. Todo mundo quer ser amado! Quer ser compreendido! Quer viver sem ter que dar explicações sobre o porquê é daquele jeito. E eu me odiava, representava, queria morrer. Vivia na comodidade de minhas faces sorridentes que choravam; caminhava a esmo, repetindo a minha pessoa que eu tinha concerto, quando na verdade ninguém o tem, pois todo mundo é um ser quebrado, esfacelado, sempre a procura de seu pedaço que vaga no outro. Almas siamesas separadas no nascimento, que procurávamos nosso espelho, nossa identidade, para tentar apaziguar aquele vazio, aquele medo de viver na solidão; eu buscava desesperadamente o meu complemento, minha face verdadeira, mas me deparava diante do muro da incompreensão, do medo, dos dedos apontados, dos risos sarcásticos, das brincadeirinhas e das chacotas: quem é o certo afinal? Ah... E como todos eram perfeitos! Maquiavam as faces, isso sim. E eu sofria no meu silêncio, sentindo as mariposas cinzentas se debatendo à procura de luz, buscando a liberdade dentro do meu ser. E, equilibrando-me na corda bamba das incertezas, pendi para o lado. Entreguei-me ao doce beijo da morte e ali estava: com os mesmos dilemas, as mesmas mentiras, os mesmos medos, as mesmas máscaras. Viver é representar? – perguntava-me.
Adormeci com a cabeça numa pedra e com uma única certeza: o valor da vida está nos dissabores. Só fui acordar quando Lúcio tocou meu corpo dorminhoco esparramado no chão.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Resenha de Lean Lioncourt



Uma obra deveras fascinante, com fundamentos intelectuais na literatura 'vampírica' superior, porém, de certa forma, transgressor de ideias. O autor trabalha com a ideia de despersonalizar o(a) protagonista talvez para que sejam impelidas apenas as ações, fato este bem trabalhado, que rendeu ótimos frutos na obra.

É sensual sem ser vulgar, é estimulante na medida certa e com caracteres de identificação muito forte com o leitor, fugindo do paradigma da bondade absoluta e maldade relativa, tão em voga atualmente em outras literaturas.

Segue na forma padrão da língua, de fácil assimilação, respeitosa e paradoxalmente atual. É dotado de emoções extremistas enumeradas por um certo conforto e por uma bem trabalhada cronologia. Tem um enredo sagaz, branco, seleto de especificações.

Nota-se também a preocupação, digamos, da escola de Hemingway, em categorizar sentimentos e sensações. É, simultaneamente, físico e químico na leitura, usando do subterfúgio das características anunciadas para traçar uma co-ligação da alma do(da) protagonista com as nossas próprias sensações.

É fascinante ler como o(a) personagem lida com o mundo novo, deixando em paralelo o que já conhecia e algo que, na minha opinião, é intrigante sua adequação a este mundo. No mesmo patamar está a qualidade em que foi redigida simbolicamente as experiências do(da) personagem. Enfim, é uma obra que deu certo no meio de tantas que não vingaram e que, por minha opinião pessoal, deve ser continuada.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Trecho do livro


E foi após mirar a objetiva numa Colombina e num Pierrô, que reparei naquele ser de beleza andrógena e fascinante, que parecia flutuar entre a massa inerte e descontrolada. Tinha uma delicadeza e uma desenvoltura tão sensuais, feito um anjo pisando por nuvens humanas. Trazia apenas um ramo de flores na orelha. Se todos se escondiam por baixo de máscaras e se emolduravam de faces límpidas e sem máculas, ele era o único realmente com o rosto nu, que deixava transparecer a realidade. No Baile de Máscaras, o seu rosto era a verdade sem mentiras, a beleza sem retoques, a morte com vida. Fitei aquele ser de beleza andrógena e ele fugiu aos meus olhares, como se brincasse de esconde-esconde. Enfiei-me pelo turbilhão de braços, pernas e máscaras; mergulhei com voracidade pelas ondas humanas, que exalavam um hálito de prazer e sensações doces e efêmeras. Mas não conseguia achar aquele rosto sem hipocrisias, sem maquiagens, que vagava delicadamente sobre a grama orvalhada e se dissimulava no meio das máscaras e das fitas de cetim, que rodopiavam com a brisa de julho. Meu estômago enchia-se de mariposas cinzentas e eu começava a ouvir o cãozinho negro e triste, ladrando ao meu lado, me acompanhando em uma busca insana por aquele ser. Fechava os olhos e garimpava, em minha memória fotográfica, aqueles traços firmes, decididos, emoldurados de uma pureza cativante, sedutora, sexual. Abria minhas pálpebras e via as mãos lívidas dele, que se confundiam com a multidão eriçada. Corria meus olhos e as mãos se perdiam, como se acenassem pela última vez, dando um adeus.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Resenha de Fernando Heinrich

Resenhando - O Silêncio das Mariposas

Por
Fernando Heinrich

Para atualizar o blog, num novo ano, depois de certo tempo sem postagens, inauguro 2011 com uma resenha. O livro da vez é O Silêncio das Mariposas, do autor Juliano Schiavo. Boa leitura.

O Silêncio das Mariposas, uma auto-publicação de Juliano Schiavo, narrado em primeira pessoa, é a história de um personagem misterioso. Não é possível saber se é homem, ou mulher, pois suas atitudes podem ser interpretadas de forma a caracterizarem ambos os sexos, ficando a critério do leitor se colocar inteiramente na pele do personagem e viver por completo a sua história.

Assim, não caracterizarei o(a) protagonista como "ele" ou "ela", mas simplesmente como "o personagem" ou "o protagonista". Este, teve uma infância cercada de olhares curiosos e admirados por sua beleza exterior incomum.

Incentivado pela mãe a tentar a carreira de modelo, o personagem se vê cercado por um mundo materialista, por grupos onde as aparências são tudo. Com isso, passa a amar sua imagem perfeita, seu rosto excepcional, objeto de desejo e admiração alheia.

Foi quando, num certo dia, durante um passeio de bicicleta, o personagem leva um tombo e seu rosto sofre um extenso corte, o que ocasiona uma profunda cicatriz. Este fato marca para sempre o término de sua "quase carreira" e de uma vida, digamos, perfeita.

Numa noite, durante um baile, o personagem, de rosto marcado, se depara com um ser de aparência andrógina, alguém que mudaria para sempre sua vida. O personagem mal sabia que, naquela noite, estaria cara-a-cara com um Vampiro.

O autor optou por uma narrativa em primeira pessoa, no passado, o que lhe dá a vantagem de estabelecer de forma mais fácil um ponto de vista consistente, dificultando a perda de foco em sua história. Apesar de, em alguns momentos, um ponto de vista onisciente aparecer, gerando dúvidas sobre o conhecimento do personagem sobre determinados fatos, na maior parte do texto Schiavo prende-se às lembranças do protagonista, que relata em detalhes a sua vida após o encontro com a "criatura das trevas". Assim, o Vampiro torna-se uma figura importante para o acalentar das mariposas cinzentas, que acompanham o personagem por toda a trama.
A aparência andrógina da criatura da noite é citada a todo instante pelo narrador personagem, talvez como forma de reafirmar a ausência de um gênero (masculino ou feminino) para o personagem principal. Schiavo deixou este ponto bem explícito no texto, substituindo as letras que definiriam o protagonista como homem ou mulher, por pontos de interrogação, de forma a revelar apenas a sua idade e nada mais.

Com isso, ao ler O Silêncio das Mariposas, busca-se identificar no personagem características que revelem seu verdadeiro sexo. Mas, seus desejos carnais são tantos e tão exóticos, que insistem em deixar em dúvida a sua identidade. Ou seja, o autor cumpre seu objetivo e faz o leitor imaginar-se personagem em determinados momentos, vivenciando atitudes e sentimentos.
Apesar da escrita densa, onde Schiavo muitas vezes 'conta' ao invés de 'mostrar' cenas, o livro consegue prender a atenção do leitor, pois mexe a todo instante com desejos carnais, que o personagem procura realizar, a fim de acalmar suas mariposas cinzentas e satisfazer sua, digamos, necessidade.

O texto lida com conflitos psicológicos que geram depressão, a sensualidade e o prazer carnal do ser humano, sensações que, por precisão e curiosidade, o protagonista, influenciado pela criatura das trevas, faz questão de experimentar.

Em O Silêncio das Mariposas, Juliano Schiavo mostra-se um autor muito capaz e preocupado com o impacto do texto para o leitor. Às vezes, sua escrita segue caminhos pouco claros, onde a idéia da cena, ou da imagem que se quis reproduzir, é apenas citada, ficando a cargo do leitor "interpretá-la" ou invés de "visualizá-la". Porém, para o jovem autor nacional, a obra, bem pensada e de uma premissa excepcional, marca o início de uma brilhante carreira.