quinta-feira, 5 de agosto de 2010
Trecho p-170
Caminhei até o chuveiro com o corpo sendo amparado por Lúcio. Tirei a roupa, bebi mais um pouco de sangue que estava na taça e, enfim, banhei-me rapidamente. Vesti uma roupa nova e fui em direção ao cômodo com a mesa de mogno escuro. Encontrei Deprê roendo um osso. Encarei-o com ternura e vi o quanto ele, animal irracional, sentia-se feliz com tão pouco. Não precisava representar. Apenas vivia por seus instintos e seus desejos. Enfim, não precisava das mesmas máscaras que eu usava para viver o baile social. Joguei olhares a Lúcio. O rosto andrógino, os lábios densos, a pele corada pela vida alheia. Sorria para encantar. Passei os olhares por um velho jornal jogado ao lado e observei a coluna social. Casais felizes, sempre sorridentes se expondo ao deleite alheio. Pensei nas semelhanças entre as espécies. Vampiros e humanos são essencialmente parecidos: vivem, acima de tudo, de ilusão. Ludibriam os olhares, usam máscaras e ocultam a verdadeira face. Está aí o mais belo baile da utopia, sem máculas e sem imperfeições, pois a humanidade é uma decadência de si própria. O contraponto da história é que eu, que tanto criticava, rendia-me às leis sociais. O medo da não aceitação sempre foi mais forte, por isso, lavava minhas mãos e entregava-me ao baile de faces sorridentes. Peguei Deprê no colo e o apertei com carinho. O coração dele batia rapidamente e o rabinho chacoalhava de felicidade. O cãozinho de cruz branca no peito fazia-me morder os dentes de um prazer indescritível de afeto. Apertei-o mais forte e ele, serelepe, lambeu-me a face. Apesar de sentir certo asco, não resisti e deixei que me beijasse. Deprê traduzia-se num apego, num sentimento que não era líquido. Eu podia sentir algo pelo cachorrinho brincalhão e, ao lado dele, esquecia de meus medos e inquietações.
— Lúcio, ainda estou com sede.
O Vampiro sorriu e estendeu o pulso, que tratei logo de morder e apaziguar meu ar sequioso.
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