sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Trecho p-87


Quando acordei, deparei com o céu avermelhado. As nuvens, banhadas pelo crepitar das chamas solares desvanecidas, pareciam mares de fogo, que se consumiam até apagar. A profusão de cores cedia lugar a um imenso vazio negro e repleto de pontinhos coloridos. Ao centro, a lua quase cheia tornava-se cada vez mais forte, até imperar totalmente. Era noite e, com ela, os anjos da morte se levantavam para voar. Lúcio não estava em casa e eu vagava pelo corredor vazio. Não tinha mais sede e nem fome e a lua não conseguia mais me afetar, por isso, ainda com o pijama, sai até o jardim e me deitei na grama. Abri os braços, suspirei todo o ar que podia e cerrei os olhos. Coloquei os ouvidos na terra e podia ouvir o rastejar dos vermes, o barulho de pequenos insetos e me divertia com todos os sentidos aguçados. Podia ouvir o rufar de meu coração e o sangue de Sofia e Matheus percorrendo todos os pontos de meu corpo. Eu era eles e podia sentir seus corpos dentro de mim, ardendo, queimando, flamejando em vida. Seus suspiros, seus pensamentos, seus desejos inconfessáveis, seus medos, suas dores, alegrias, ansiedade, tudo se mesclava em mim e, num grande gemido, meu corpo se arqueava de prazer. Solucei e deixei que aquele nó que ficava guardado em minha garganta viesse à tona e se estatelasse em lágrimas. Cada gota que escorria por meu rosto traduzia um sentimento meu, engolido pelos sentimentos de Sofia e Lúcio. Eu era eles e sentia a angústia humana novamente. Uma angústia, como a que sempre senti, mas triplicada por mim, por ela e por ele. E nesse turbilhão de vozes, gritei com todas minhas forças. Um urro de medo, prazer, dor, êxtase, tudo misturado e, que no final, se traduziam num vazio. O vazio da existência.

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