sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Coluna Litteratus do Cristiano Rosa

Conheça e participe do ´Livro Livre´


Na semana passada recebi um livro muito bacana do meu amigo escritor paulista Juliano Schiavo, chamado O Silêncio das Mariposas. A obra, de sua autoria, foi lançada esse ano pela Ed. Multifoco. Porém, ele não era de presente para mim. Pelo menos era o que falava um selo que o autor havia colado logo na primeira página após a capa. O selo era esse: Leia mais

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Trecho 167-169


Quando abri meus olhos na noite seguinte, preenchi meus pulmões de ar e saí de minha urna funerária, meu corpo estava tomado de um vazio. Procurei por Lúcio, mas não o encontrei. Deprê, com certeza, estava na casa da irmã do Vampiro. Na casa, era só eu e mais ninguém. Cambaleante, segui até o chuveiro. Meu corpo me dava asco, ânsia, uma vontade imensa de vomitar todas minhas entranhas e me limpar do sangue alheio. Se na noite anterior tudo aquilo me excitava, agora eu remoia meus pensamentos e me indagava se toda essa ilusão de vida em morte valia realmente a pena. Despi-me. Encarei minha face corada, minha cicatriz saltada, meus olhos castanhos enevoados, meus lábios rosados, minha tez branca e sem máculas, meu pescoço macio, meus ombros delineados, meus braços finos e definidos. Desci os olhares por meu tronco, admirei minha barriga, meus pelos pubianos, minhas coxas tensas, meus pés pequenos, meus dedos frágeis. No espelho, meu reflexo me atordoava. Abri o chuveiro, fechei os olhos e deixei a água quente escorrer em rodopios por meu corpo, enquanto minhas mãos, com espuma, passeavam por toda minha extensão corporal. Massageava-me, procurava meus pontos de prazer. O silêncio cedia lugar aos respingos das águas. Cai de joelhos e comecei a chorar com a voz emudecida. Minhas lágrimas se mesclavam com as águas quentes que caiam do chuveiro. Pensei em Muriel, na vida de Muriel. Pensei na vida da mulher de cabelos encarapinhados e dentes tortos. Pensei na vida da criança vinda ao mundo por minhas mãos. Solucei, mordi meus lábios, apertei-me forte, de forma a tornar-me uma fortaleza introspectiva. Em minha visão brotava os corpos nus, os cheiros, as sensações de trocas de calor entre meu corpo vivo em morte e os corpos vivos em vida. O sofrimento de Muriel, os medos da mulher de cabelos encarapinhados e a ruptura da vida da criança ecoavam por minha cabeça. Por que eu me alimentava de vida? Por que buscava na vida dos outros a tentativa de preencher meus vazios? Solucei novamente e apertei-me com mais força. Meus cabelos molhados encobriam minhas costas e balançavam com o deslizar das águas. O sentimento de vazio novamente tomava conta de mim. As sensações conflituosas se abriam feito uma flor em meu peito e a essência dela emanava por todos meus poros. As mariposas cinzentas surgiam; meu cãozinho negro, triste e cabisbaixo ladrava ao lado, com o rabinho entre as pernas, traduzindo-se na mais pura melancolia; o baile de máscaras da sociedade ressurgia dentro de meu ser exposto às destemperanças de meus sentimentos conflituosos. A água continuava a correr por meu corpo, rodopiava por minhas sinuosidades e fazia cócegas por meus cabelos loiros e compridos. A água. Sim. A fluidez, o mundo sem formas, a facilidade de adaptação aos meios. A água. Minha vida. Eu era um sentimento líquido, um amor líquido, incapaz de criar laços, raízes. Incapaz de amar alguém com todas as forças. Eu apenas me adaptava, criava laços fluídos de fácil assimilação com o único propósito de tentar me enquadrar ao meio e buscar preencher meu vazio. As pessoas transformavam-se em formas para minha liquidez e eu apenas me adaptava. Meu sorriso, minha incapacidade de mostrar minha face sem máscaras: eu era a água, a fluidez, o sentimento sem formas. E Muriel, dentro de meu corpo, mostrava-me que na bruteza de seu ser, possuía raízes, sendo capaz de criar laços reais entre ele e o mundo que vivia. A mulher de cabelos encarapinhados, gritando em mim, mostrava-me as possibilidades de sentir um amor sólido pelo marido e pelo filho. E a criança, na sua pureza, na sua ruptura entre o conforto da barriga materna e as dores da vida, berrava para fora de meus lábios toda sua sede por viver.
Arregalei meus olhos, gritei, levei meu pulso até os lábios e cravei meus dentes, de forma a abrir um talho. Deitei-me no chão de piso frio. Fechei os olhos. Levantei o braço e o posicionei entre minha barriga e a água que salpicava do chuveiro, permitindo que ela se misturasse com a vida rubra e, assim, escorresse pelo ralo. Minha fluidez de sentimentos se mesclava com a fluidez translúcida. Sentia meu vazio derrapar ligeiro pelo talho aberto, se misturar com a água e, enfim, repousar no lugar de onde jamais deveria ter saído: a escuridão, o silêncio, a ausência de luz, o esgoto. A fraqueza foi tomando conta de mim, até que minha vista embaçou numa multidão de nuvens negras e sem cor. Suspirei uma última vez, gemi um pouco e, num baque, apaguei.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Resenha por Jota Marques

Mais uma resenha super bem elaborada pelo Jota Marques, do blog Toca do Jota

Vampiros sempre estiveram na moda. As vezes estão mais em alta, outras vezes mais em baixa, mas ninguém discute que a produção cultural (jogos, RPG, literatura, cinema, quadrinhos) sobre o tema é vasta. Nesse meio, como recontar o mito do vampiro, diferenciando-se dos outros trabalhos? Em "O Silêncio das Mariposas" Juliano Schiavo arrisca uma nova abordagem.

A trama narrada em primeira pessoa, com fortes influências de "A entrevista com o Vampiro", conta os acontecimentos do protagonista desde sua infância, sua transformação em vampiro, até seus derradeiros momentos. A personagem não tem nome ou gênero sexual. Não sabemos se é um homem ou uma mulher. Essa técnica permite com que as descrições sensuais, quando o vampiro se alimenta, sejam muito bem trabalhadas e desenvolvidas, envolvendo o leitor de forma competente. Pouquíssimas vezes esse mesmo artifício escorrega em alguns momentos mas não prejudica em nada a leitura.

Acompanhamos o desenvolvimento da personagem principal, enquanto segue os passos de seu vampiro Mestre Lúcio. A narrativa centra-se nos conflitos e tormentos psicológicos sofridos pelo protagonista, enquanto delira com sonhos febris onde identifica os seus desejos pela próxima vítima. As mariposas, representam a ansiedade da personagem enquanto se esconde por detrás de mascaras impostas pela sociedade e depois pelas "regras" vampíricas. Um tema recorrente para quem já jogou ou conhece o sistema Storytelling "Vampiro: A máscara."

Juliano Schiavo desenvolve a trama de maneira acertada mas, apesar de dentro da proposta da trama, acaba caindo em uma rotina previsível de acontecimentos. Começa com um sonho, depois o desejo incontrolável quase sexual. A caça e o ataque com descrições sensuais. Os delírios da ressaca, a ajuda de Lúcio e termina por dormir enfraquecido, vindo a despertar em algumas noites. Tudo muito bem descrito e desenvolvido. O ciclo só vem a ser quebrado com o clímax da trama, quando a personagem decide abandonar todas as mascaras e silenciar suas mariposas.

Erros de revisão são bem raros e perdoáveis. Outra coisa que incomoda um pouco é a resistência do autor, nas palavras de sua personagem, em revelar o nome de localidades ou os sobrenomes de outras personagens que surgem na trama. Acredito que o desejo era de criar o clima de relato anônimo, sem causar prejuízo a terceiros, mas na minha opinião isso não tinha necessidade. Talvez um melhor trabalho editorial seria suficiente para acertar e melhorar o que já esta muito bom.

Sendo narrado em primeira pessoa, perdemos a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento de outras personagens da trama como Lúcio e sua irmã, e até mesmo o delegado que investiga os ataques do vampiro.

"O Silêncio das Mariposas" foi lançado em 2010 pela editora Multifoco, mostrando que a auto-publicação pode sim nos trazer boas e agradáveis surpresas, e aguardamos por um novo trabalho do autor.

domingo, 8 de agosto de 2010

A resenha de um leitor



É com o sorriso de orelha a orelha que posto uma resenha do livro feita pelo Victor Brum:


Muito longe de ser apenas mais um romance vampiro – e nisso se deu minha vontade de lê-lo pela proposta e pelo teaser divulgados –, “O Silêncio das Mariposas” tenta atrair o leitor pela abordagem das questões psicológicas, terrores e ansiedades no interior de uma personagem sem identificação por nome ou sexo. E de fato consegue.
São só registros. Relatos, ricos em detalhes, das experiências vividas por um alguém que desde a infância é acompanhado pelos desejos característicos de cada fase da vida e contrastado com a obrigação de se encaixar em rótulos sociais.

Com a intensa vontade de ir além do que se vê estampado nos rostos do grande Masquerade coletivo e motivado pelo sossego interior que almejava, esse indivíduo, que após encontrar uma face livre dos teatros da humanidade num vampiro e passar a viver num cenário de resquícios de vida em morte, agora experimenta as oportunidades de se libertar das cadeias de incerteza, medo e dor tentando dar silêncio à agitação de suas mariposas. Mariposas agitadiças que, na narrativa, são o retrato de um intrapessoal turbulento que havia sido comprimido numa máscara de adequação a visão alheia durante todo o tempo.

Nas reflexões sobre os limites entre o frívolo e o virtuoso – e é nesse ponto inteligente que se dá o auge dessa obra -, de forma envolvente, o leitor é levado a examinar as relações onde personalidades são abafadas e diferenças sempre reprimidas pelo julgamento da sociedade que se alimenta de um silêncio falso expressado por cada um do coletivo. Pseudo-silêncio resultado dos padrões impostos que acabam por abafar a existência do individual. É interessante a mescla da busca por nomes como respostas aos questionamentos resultados do conflito psicológico junto com a indução a refletir sobre a decadência da humanidade na falta de transparência e lisura. Diferencial que fez o livro ir além de ser só mais uma obra de romance.

A ausência de nome e sexo da personagem principal – talvez um possível convite à auto-identificação por parte do leitor em alguns momentos da narrativa - pode causar certa sombra de confusão em alguns pontos da leitura, mas pela brevidade dessa estranheza, se acaba por provocar ainda mais a curiosidade devido as sacadas na dosagem certa do mistério que é constante.

O jogo de detalhes nas descrições dos desejos, dos cenários e do estado de espírito das personagens é fora de série. Apesar de confessar que, por algumas vezes durante a leitura, me questionei sobre a necessidade de tanta minúcia em certas partes, devo admitir que também foi nessa intimidade com os detalhes que eu me peguei envolvido do começo ao desfecho. É um livro que surpreende os que seguem com certa resistência a respeito de romances vampiros devido à quantidade incontável de boas produções atuais que invadem a literatura.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Trecho p-87


Quando acordei, deparei com o céu avermelhado. As nuvens, banhadas pelo crepitar das chamas solares desvanecidas, pareciam mares de fogo, que se consumiam até apagar. A profusão de cores cedia lugar a um imenso vazio negro e repleto de pontinhos coloridos. Ao centro, a lua quase cheia tornava-se cada vez mais forte, até imperar totalmente. Era noite e, com ela, os anjos da morte se levantavam para voar. Lúcio não estava em casa e eu vagava pelo corredor vazio. Não tinha mais sede e nem fome e a lua não conseguia mais me afetar, por isso, ainda com o pijama, sai até o jardim e me deitei na grama. Abri os braços, suspirei todo o ar que podia e cerrei os olhos. Coloquei os ouvidos na terra e podia ouvir o rastejar dos vermes, o barulho de pequenos insetos e me divertia com todos os sentidos aguçados. Podia ouvir o rufar de meu coração e o sangue de Sofia e Matheus percorrendo todos os pontos de meu corpo. Eu era eles e podia sentir seus corpos dentro de mim, ardendo, queimando, flamejando em vida. Seus suspiros, seus pensamentos, seus desejos inconfessáveis, seus medos, suas dores, alegrias, ansiedade, tudo se mesclava em mim e, num grande gemido, meu corpo se arqueava de prazer. Solucei e deixei que aquele nó que ficava guardado em minha garganta viesse à tona e se estatelasse em lágrimas. Cada gota que escorria por meu rosto traduzia um sentimento meu, engolido pelos sentimentos de Sofia e Lúcio. Eu era eles e sentia a angústia humana novamente. Uma angústia, como a que sempre senti, mas triplicada por mim, por ela e por ele. E nesse turbilhão de vozes, gritei com todas minhas forças. Um urro de medo, prazer, dor, êxtase, tudo misturado e, que no final, se traduziam num vazio. O vazio da existência.

Uma poesia de Nádia Lopes


É com satisfação que posto aqui uma poesia da jornalista Nádia Lopes, que atualmente faz assessoria de imprensa no campus da UFSCar em Araras. Ele cedeu gentilmente a poesia para nosso deleite. Tem tudo a ver com o conteúdo do livro "O Silêncio das mariposas": vampiros, sangue e sensualidade na medida certa.

Mortes, sem saída

Noite escura
Céu flamejante
Sangue vivo
O pulsar do coração
Pele branca, alva como a neve
Luz opaca
A boca vermelha e carnuda
Que espera para atacar
Os dentes caninos roçam de leve
A pele do pescoço
Macia e cheirosa
E a faz delirar.
Na lua se encontram
Dois corpos úmidos e famintos
Prontos para se devorar.
O corpo chora e
A mente clareia
O punhal na mão,
A morte é inevitável
Fria e insensível
Dura e incontrolável,
Direto no coração.
Uma nova manhã se esquenta e
Se esconde por trás
Das cinzas de
Uma noite voraz
De uma morte sangrenta.

Nádia Lopes - 1998

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Trecho p-170


Caminhei até o chuveiro com o corpo sendo amparado por Lúcio. Tirei a roupa, bebi mais um pouco de sangue que estava na taça e, enfim, banhei-me rapidamente. Vesti uma roupa nova e fui em direção ao cômodo com a mesa de mogno escuro. Encontrei Deprê roendo um osso. Encarei-o com ternura e vi o quanto ele, animal irracional, sentia-se feliz com tão pouco. Não precisava representar. Apenas vivia por seus instintos e seus desejos. Enfim, não precisava das mesmas máscaras que eu usava para viver o baile social. Joguei olhares a Lúcio. O rosto andrógino, os lábios densos, a pele corada pela vida alheia. Sorria para encantar. Passei os olhares por um velho jornal jogado ao lado e observei a coluna social. Casais felizes, sempre sorridentes se expondo ao deleite alheio. Pensei nas semelhanças entre as espécies. Vampiros e humanos são essencialmente parecidos: vivem, acima de tudo, de ilusão. Ludibriam os olhares, usam máscaras e ocultam a verdadeira face. Está aí o mais belo baile da utopia, sem máculas e sem imperfeições, pois a humanidade é uma decadência de si própria. O contraponto da história é que eu, que tanto criticava, rendia-me às leis sociais. O medo da não aceitação sempre foi mais forte, por isso, lavava minhas mãos e entregava-me ao baile de faces sorridentes. Peguei Deprê no colo e o apertei com carinho. O coração dele batia rapidamente e o rabinho chacoalhava de felicidade. O cãozinho de cruz branca no peito fazia-me morder os dentes de um prazer indescritível de afeto. Apertei-o mais forte e ele, serelepe, lambeu-me a face. Apesar de sentir certo asco, não resisti e deixei que me beijasse. Deprê traduzia-se num apego, num sentimento que não era líquido. Eu podia sentir algo pelo cachorrinho brincalhão e, ao lado dele, esquecia de meus medos e inquietações.
— Lúcio, ainda estou com sede.
O Vampiro sorriu e estendeu o pulso, que tratei logo de morder e apaziguar meu ar sequioso.

domingo, 1 de agosto de 2010